segunda-feira, 22 de junho de 2015

Criança tem que ser estúpida

Eu estava no décimo primeiro minuto extra de espera.
Inquieto, claro. Sou ariano, e ariano quer tudo pra ontem. Odeia esperar. Todo mundo sabe disso, menos os dentistas. Eles adoram te fazer esperar.  Como fazem isso com arianos? Aí você pensa: "você acha que eles sabem seu signo?". Deveriam. Fazem um questionário para te cadastrar. Você responde até seu estado civil. E isso sem dúvida é menos relevante do que o signo. Pelo menos no dentista.
Já tinha lido todas as Caras disponíveis. Sabia quem tinha casado, separado. Sabia a idade de todos artistas. Porque eu adoro é ver quantos anos cada um tem (isso sempre aparece entre parênteses ao lado do nome de cada artista ou celebridade que faz alguma coisa que não é artística). Mas nem isso me distraia.

Aí olhei pro lado.

Ela deveria ter uns 8, no máximo 10 anos. Nunca sei definir uma criança dos 7 aos 10. Aos 11 já dá pra saber. Ela não tinha 11. E estava tão impaciente quanto eu. Bom, até aí tudo bem. Todas crianças são inquietas - inclusive todas parecem arianas. Mas o que me chamou atenção era em COMO ela se distraía.

Não que eu nunca tivesse visto uma criança com iPad, mas aquela menina... cara, parecia um coreano. Era rápida. Não piscava. Jogava um desses jogos coloridos que exigem 140 dedos. Nem sei qual era.

Estava impressionado. E tinha coisa por vir.

A mãe da menina prodígio começou um diálogo.

- Filha, olha que lega es...
- Sério que você vai me atrapalhar, mãe?
- Mas eu só ia te..
- Ai, mãe. Sinceramente (juro que ela falou sinceramente!), eu não to afim agora. To ocupada.
- Tá bom...

Aí veio a pior parte. Sim, tinha uma parte pior e mais surpreendente. A mãe vira para a recepcionista e fala:

- Viu como ela é esperta?

COMO ASSIM? A pirralha acabou de ser uma pentulantezinha. Ok, ela usou "sinceramente" com menos de 11 anos. Eu nem sabia o que era "sinceramente" com a idade dela. E sim, eu respondia pros meus pais, mas o máximo que rolava era um clássico "que saco" seguido de um castigo e não de um elogio.

É verdade que as crianças estão ficando mais espertas, mas isso é bom? Óbvio que não. Criança tem que ser estúpida. Tem que gostar de coisa boba. Não pode falar "sinceramente" por aí.

Primeiro porque essa esperteza é enganosa. A evolução acontece por etapas. As crianças Ipad pulam algumas. É bem verdade que elas já aprendem a clicar nos botões certos, enchem o vocabulário verbal com mil expressões e imitam os trejeitos de qualquer adulto, mas isso é ser inteligente? Creio que não. São ligadas, claro, mas fazem coisas muito automáticas. Imitam. E fazem isso muito bem. Porém, são cada vezes menos criativas. Tem cada vez menos aquela visão que desconstrói o mundo. Tem cada vez mais a visão do nosso mundo chato de adulto.

E você sabe, criatividade está diretamente ligada à essa fase da vida. Os melhores criativos são aqueles que buscam seu lado infantil. Que bricam com possibilidades como brincavam com objetos, sombras ou qualquer coisa que pudesse gerar uma história.

Hoje vem tudo pronto. Basta apertar os botões certos. Sinceramente? Não curto.

Um comentário:

  1. Para mim, a palavra que se enquadraria melhor, seria "ingenuidade" e não estupidez. Ser estúpido me parece mais tapado do que desprovido de "espertices". É aquela velha e cansada estorinha da faculdade: a tecnologia aproxima e distancia as pessoas. No caso, acredito que distanciou os hábitos que essas crianças deveriam ter. Daí vem aquela análise da família moderna, pais sem tempo, tecnologia como solucão e um "cala a boca" para as crianças. Encurtando, acho que as crianças perderam o direito de serem crianças. Seus pais, não tem muita paciência pra isso. Pra compensar, aplaudem qualquer feito. Mesmo que torto.

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